Linha do Tempo - 8 de janeiro nas Redes
Os eventos que culminaram nos ataques à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, foram antecedidos por uma intensa mobilização nas mídias digitais. Durante mais de dois meses, grupos favoráveis à ruptura da ordem democrática promoveram campanhas sistemáticas pela anulação do resultado das eleições presidenciais e pelo fechamento das instituições republicanas. Por meio da circulação coordenada de imagens, vídeos, memes e performances planejadas para viralizar, buscava-se construir um ambiente favorável a uma intervenção autoritária, operando estratégias de comunicação que visavam influenciar a opinião pública e tensionar os limites da democracia.
A linha do tempo do projeto Acervo Digital do 8 de Janeiro foi concebida como uma ferramenta de organização e contextualização do fluxo massivo de conteúdos produzidos nesse período. A proposta é destacar marcos temporais e temas relevantes associados à escalada da radicalização, ilustrados por registros visuais que circularam amplamente nas plataformas digitais, configurando um panorama das narrativas construídas até o ápice da insurreição golpista.
A curadoria do acervo priorizou a preservação de conteúdos representativos da dinâmica midiática do evento, considerando critérios como recorrência temática, grau de engajamento nas plataformas e relevância simbólica para a memória coletiva do 8 de janeiro. As imagens buscaram também contemplar a pluralidade de formatos, vídeos curtos, transmissões ao vivo, cartazes, artefatos visuais e elementos performáticos, que integraram a estética e a retórica da mobilização digital, compondo uma base documental que alia valor histórico, político e comunicacional.
OUT/22
30 de Outubro - Derrota eleitoral e paralisações de caminhoneiros
Na noite de 30 de outubro de 2022, durante a apuração dos votos do segundo turno das eleições presidenciais, apoiadores de Jair Bolsonaro se mobilizaram em transmissões ao vivo marcadas por perplexidade e descrença diante da derrota. Inicialmente preparados para celebrar a reeleição, passaram a questionar a legitimidade do resultado e estimular reações nas ruas. Na Esplanada dos Ministérios, militantes se reuniram em clima de culto e clamor por intervenção militar, enquanto circulavam mensagens de convocação para paralisações nas rodovias. A movimentação de caminhoneiros já vinha sendo articulada desde o primeiro turno, com vídeos e postagens incitando a “reação” em caso de derrota. Esses grupos se organizaram por canais de mensagens e, já na noite da eleição, começaram a bloquear estradas com apoio ou omissão de agentes da PRF, dando início a uma estratégia de desabastecimento e pressão por um golpe de Estado.
NOV/22
2 de novembro - A concentração diante de quartéis generais
No feriado de Finados, em 2 de novembro de 2022, atos coordenados em pelo menos 24 estados brasileiros consolidaram a estratégia da extrema-direita em defesa aberta da ruptura institucional. As manifestações ocorreram de forma unificada em frente a quartéis-generais e comandos do Exército, acompanhadas por convocatórias para acampamentos permanentes nesses locais. Parlamentares bolsonaristas endossaram os protestos e incentivaram a pressão direta sobre os militares para que interviessem contra o resultado das eleições. A data representa um ponto de inflexão: foi a primeira vez em que a extrema-direita, de maneira articulada e nacionalizada, ocupou simultaneamente espaços simbólicos do poder militar, alinhando os núcleos digitalizados e as alas mais tradicionalmente militaristas do movimento.
4 de novembro - Live da fraude eleitoral
No dia 4 de novembro de 2022, a extrema-direita intensificou sua ofensiva contra o processo eleitoral brasileiro com a transmissão da live “Brasil was Stolen”, conduzida pelo consultor político argentino Fernando Cerimedo, por meio do canal La Derecha Diario. O vídeo alcançou um pico de 415 mil espectadores simultâneos e buscou legitimar a narrativa de fraude nas eleições, apresentando dados manipulados sobre o funcionamento das urnas eletrônicas. Investigação da Polícia Federal apontou que a ação foi articulada com o chamado “Núcleo de Desinformação” vinculado ao grupo investigado por tentativa de golpe, com envolvimento de militares e apoio indireto de Eduardo Bolsonaro, que havia se reunido com Cerimedo semanas antes. A live fazia parte de um esforço coordenado para fomentar convulsão social e justificar uma intervenção militar, ancorada em desinformação e no uso massivo da hashtag #BrazilWasStolen nas redes sociais. Foi criada uma conta no Instagram dedicada com esse nome, dedicada à mobilização em torno do discurso de fraude. Em seguida, essa hashtag foi amplamente adotada em cartazes nas manifestações nas ruas e marcou a narrativa desinformativa da fraude eleitoral.
7 de novembro - Convocação de Greve Geral
Em 7 de novembro de 2022, a extrema-direita convocou uma greve geral com o objetivo declarado de paralisar a economia nacional e pressionar por uma intervenção militar. Diferente de uma mobilização sindical tradicional, os discursos nas redes e nas ruas incentivavam um locaute, o fechamento de empresas por seus donos, em vez da adesão voluntária dos trabalhadores. A retórica dominante buscava normalizar o sacrifício econômico em nome de uma causa política, com a repetição da frase “a economia a gente vê depois”, ressignificando um lema associado ao enfrentamento da pandemia. No entanto, a tentativa de greve teve baixa adesão e revelou os limites organizativos do movimento, indicando a necessidade de reformulação tática entre seus articuladores.
15 de novembro - Manifestações nacionais
A maior mobilização da extrema-direita ocorreu no feriado da Proclamação da República, em 15 de novembro de 2022, quando os atos golpistas atingiram seu ponto máximo de adesão. De acordo com dados apresentados à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional, cerca de 4 mil pessoas estavam acampadas e 95 ônibus foram identificados nas imediações do Quartel-General do Exército, em Brasília. O Comando Militar do Planalto contabilizou a presença de aproximadamente 100 mil manifestantes no Setor Militar Urbano, o maior fluxo registrado desde o início da contestação ao resultado eleitoral. Nas redes sociais bolsonaristas, no entanto, os números foram deliberadamente inflacionados, com estimativas que variavam entre um e quatro milhões de participantes, em uma estratégia de amplificação simbólica para projetar a imagem de uma mobilização popular massiva.
30 de novembro - Início dos atos na Esplanada dos Ministérios
Em 30 de novembro de 2022, as mobilizações golpistas em Brasília entraram em uma nova fase. Pela primeira vez, os acampados na Praça dos Cristais, próximos ao Setor Militar Urbano, deslocaram-se cerca de sete quilômetros para realizar um ato na Esplanada dos Ministérios. A manifestação, intitulada “Marcha pela Liberdade”, reuniu centenas de pessoas em frente ao Congresso Nacional e contou com a presença de coletivos indígenas liderados por José Acácio Serere Xavante, o cacique Serere. Segundo a Polícia Federal, o protesto foi articulado por militares e organizado por lideranças digitais da extrema-direita, marcando um esforço de expansão simbólica e territorial do movimento, que até então permanecia restrito aos arredores dos quartéis.
30 de novembro - Racha entre os movimentos de extrema-direita
A divulgação da “Marcha pela Liberdade” em 30 de novembro de 2022 gerou intenso debate entre acampados e lideranças da extrema-direita sobre o real objetivo do deslocamento para a Esplanada dos Ministérios. Influenciadores como Didi Redpill criticaram a decisão, acusando os organizadores, entre eles Oswaldo Eustáquio e o grupo Hipócritas, de provocar divisões internas e fragilizar a mobilização nos arredores dos quartéis. Setores intervencionistas, liderados por Ana Priscila Azevedo, chegaram a interpretar a marcha como uma tentativa de encenar um “Capitólio brasileiro”, temendo infiltrações que pudessem resultar em depredações e responsabilização dos manifestantes.
DEZ/22
7 de dezembro - Leitura da Carta do Povo Brasileiro no Congresso Nacional
Em 7 de dezembro de 2022, cerca de cinquenta manifestantes vestindo camisetas pretas com a frase “Supremo é o povo” participaram da leitura da “Carta do Povo Brasileiro” no Congresso Nacional, em ato divulgado pela extrema-direita. Em tom de ultimato, a carta dava prazo até 8 de dezembro para que Jair Bolsonaro e as Forças Armadas interviessem nos Três Poderes, pedindo ainda a anulação das eleições de 2022 e a convocação de novo pleito com voto impresso. O texto, lido por Bismark Fugazza, pelo cacique Rony Parecis e por Maicon Sulivan, assessor do deputado Marcos Pollon, acusava o Supremo Tribunal Federal de autoritarismo e censura, alegava fraude eleitoral e exigia o impeachment dos ministros do STF.
10 de dezembro - Ato na Esplanada dos Ministérios contra a posse da chapa
Em 10 de dezembro de 2022, ocorreu na Esplanada dos Ministérios o ato intitulado “Dia D: É agora ou nunca mais”, convocado por Oswaldo Eustáquio e pelo grupo Hipócritas como a data anunciada para a “tomada de poder”. Apesar do tom de urgência e dos apelos por intervenção militar, a manifestação teve participação reduzida, com poucos militantes atendendo ao chamado. No local, um caminhão de som exibiu faixas questionando a legitimidade das eleições e pedindo ação das Forças Armadas, mas a mobilização revelou o enfraquecimento do movimento e as divergências estratégicas entre os diferentes núcleos acampados em Brasília.
JAN/23
4 de Janeiro - Convocação para a Festa da Selma
Entre os dias 4 e 6 de janeiro de 2023, a extrema-direita passou a usar a expressão cifrada “Festa da Selma” para coordenar, em redes sociais e aplicativos de mensagens, o ataque planejado a Brasília, evitando convocações explícitas de violência. Mapas da capital federal circularam indicando pontos de ocupação, como o Congresso Nacional, evidenciando a intenção de invasão. A Polícia Federal identificou a articulação e, em agosto de 2023, prendeu dez pessoas envolvidas, entre influenciadores bolsonaristas e líderes religiosos. Sob o pretexto de “desobediência civil”, os organizadores buscavam legitimar uma mobilização golpista que retomava estratégias associadas ao golpe de 1964.
7 de Janeiro - Convocação para Tomada do Poder em Brasília
Em 7 de janeiro de 2023, véspera dos ataques a Brasília, Ana Priscila Azevedo gravou um vídeo em tom de comando, usando uma bandeira do Brasil como capa e anunciando planos de fechar dez refinarias em capitais brasileiras, além de convocar seguidores a estocar alimentos diante de uma “guerra iminente”. Apesar de ameaçar ações violentas e um golpe de Estado, ela manteve a retórica de que o movimento seria “ordeiro e pacífico”, afirmando que a resistência ocorreria sob inspiração cristã e “sem derramamento de sangue”. Ana Priscila tornou-se um dos rostos mais influentes do acampamento bolsonarista, simbolizando o ódio ao establishment e a crença em fraude eleitoral, com mensagens amplamente difundidas em grupos de Telegram e redes ligadas ao quartel-general em Brasília.
08/JAN/23
8 de Janeiro - Ataques em Brasília
Em 8 de janeiro de 2023, milhares de manifestantes bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal, em um ataque coordenado para pressionar por uma intervenção militar. Os grupos, vindos principalmente de acampamentos instalados em frente a quartéis do Exército, romperam barreiras policiais, destruíram mobiliário, obras de arte e documentos oficiais, e ocuparam plenários e gabinetes. A Polícia Militar do Distrito Federal foi acusada de omissão e conivência, levando à intervenção federal na segurança pública do DF decretada pelo governo federal. O episódio resultou em milhares de prisões em flagrante e tornou-se símbolo da tentativa de golpe de Estado e do maior ataque às instituições democráticas brasileiras desde a redemocratização.




































